Obstáculo ao desenvolvimento do País

As graves desigualdades <br>da repartição da riqueza em Portugal

Eugénio Rosa
O agravamento da desigualdade que se verifica em Portugal na repartição do rendimento constitui também um importante obstáculo à recuperação económica do País. O argumento primário que está subjacente na acção do governo como no pensamento económico neoliberal dominante que assim a poupança crescerá e, consequentemente, o investimento aumentará e o crescimento económico terá lugar não tem qualquer consistência.
Efectivamente, tal argumento é refutado tanto pela teoria económica como pela experiência empírica. Keynes, há cerca de 70 anos, refutou-o na sua conhecida obra «Teoria geral do emprego, do juro e da moeda». Apesar da desigualdade na repartição do rendimento em Portugal ter-se agravado nos últimos anos, o investimento total (FBCF) em Portugal registou, a partir de 2001, uma importante redução com consequências graves no crescimento económico actual e futuro do País.
Segundo um estudo publicado pelo INE, em Portugal os 10% mais ricos da população recebem mais rendimento do que 50% da população. E nos últimos anos esta situação agravou-se. Segundo o Eurostat, entre 2001 e 2004, o número de vezes que o rendimento dos 20% mais ricos da população é superior ao dos 20% mais pobres aumentou, em Portugal, de 6,5 para 7,2 (portanto + 0,7), enquanto a média dos 25 países da União Europeia cresceu de 4,5 para 4,8 (portanto +0,3). Como consequência, a desigualdade na repartição do rendimento no nosso País que já era elevada em 2001 (ano de inicio da crise económica em Portugal), quando a comparamos com a média comunitária, aumentou ainda mais pois a diferença passou de 2 para 2,4.
Entre 1996 e 2004, de acordo com o Eurostat, os custos com o trabalho em Portugal passaram de 42,1% da média da União Europeia para apenas 39,8%. E segundo a OCDE, entre 2000 e 2005, os ganhos reais dos trabalhadores da Industria em Portugal registaram um aumento médio de apenas 1,7%, enquanto durante o mesmo período em todos os países da OCDE o aumento foi de 17% e, nos países da Europa pertencentes à OCDE, o crescimento atingiu em média 18,9%. Em 2006, também segundo a OCDE, a situação dos trabalhadores portugueses continuou-se a agravar pois, entre Julho de 2005 e Julho de 2006, os seus ganhos reais registaram uma diminuição de -1,8%, enquanto nos países da OCDE, incluindo os da Europa, verificou-se um crescimento que atingiu 2,5%.
Como consequência, a parte da riqueza criada (PIB) que reverte para trabalhadores, sob a forma de remunerações, continua a ser muito baixa. Em 2005, 76% da população empregada recebeu apenas 35,9% da riqueza criada nesse ano (PIB) sob a forma de remunerações. E nesse mesmo ano, o investimento total foi inferior ao de 2001 em 15,5%. Esta quebra no investimento continuou em 2006, pois o registado nos dois primeiros trimestres deste ano foi inferior ao realizado em igual período de 2001 em 16,8%. Estes dados mostram também a falta de consistência técnica do argumento do governo e do pensamento económico neoliberal dominante que considera que a redução do poder de compra dos trabalhadores e, consequentemente, o aumento da desigualdade na repartição do rendimento é necessário para que o investimento aumente e o crescimento económico se verifique.

Quanto maior é a desigualdade
maiores são os obstáculos ao crescimento


O Governo e o pensamento económico neoliberal actualmente dominante defendem que quanto maior for a desigualdade na repartição do rendimento, maior será a poupança, logo maior será o investimento e, consequentemente, o crescimento económico por acção milagrosa dos mercados.
John Keynes, já há mais de 70 anos refutou tal «teoria» que não tem qualquer fundamento cientifico na sua conhecida obra «Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda», tendo concluído que uma elevada desigualdade na repartição do rendimento constituía um obstáculo importante ao crescimento económico.
Assim, segundo Keynes, «a extensão da desigualdade na repartição do rendimento e da riqueza tende a fazer diminuir a propensão para o consumo. Quanto menor é a propensão para o consumo maior é a dependência da economia em relação ao investimento para a manutenção de um nível elevado de rendimento e emprego». «Se analisarmos o problema do desemprego sob o ponto de vista da estrutura social, pode-se dizer, sem medo de errar, que uma das causas é a desigualdade na distribuição do rendimento.» Como Keynes não acreditava que os ricos estivessem interessados em fazer o investimento necessário, apesar de ser um defensor do capitalismo, propugnava que o Estado assumisse tal função e para isso defendia um «sistema fiscal progressivo para reduzir as desigualdades de rendimento … e como uma medida importante para diminuir o desemprego»
Em Portugal, a política generalizada de privatizações sem quaisquer objectivos estratégicos que colocou os principais centros de decisão económica e geradores de lucro do País sob o controlo dos grandes grupos económicos, nomeadamente estrangeiros, bem como a política actual centrada na obsessão do défice, agravaram as desigualdades e estão a tornar ainda mais difícil a recuperação económica do País.

As desigualdades na repartição do rendimento
estão a aumentar em Portugal


De acordo com o estudo «Rendimento, Desigualdade e Pobreza em Portugal», publicado pelo INE, os 10% mais ricos da população portuguesa recebiam mais rendimento do que os 50% mais pobres da população. Mais concretamente, 10% da população portuguesa recebia 29% do rendimento total, enquanto 50% da população portuguesa recebia apenas 24,7% do rendimento.
Nos últimos anos esta situação agravou-se como revelam dados do Eurotat, embora mais agregados. Efectivamente segundo o serviço de estatística oficial da União Europeia, entre 2001 e 2004, o número de vezes que o rendimento dos 20% mais ricos da população é superior aos 20% mais pobres aumentou, em Portugal, de 6,5 para 7,2 (portanto + 0,7), enquanto a média dos 25 países da União Europeia cresceu de 4,5 para 4,8 (portanto +0,3). Como consequência, a desigualdade na repartição do rendimento no nosso País que já era elevada em 2001 (ano de inicio da crise económica em Portugal), quando a comparamos com a média comunitária, aumentou ainda mais pois a diferença para pior cresceu de 2 para 2,4.

Os custos com o trabalho
estão a diminuir
em relação à média comunitária


Contrariamente ao que pretende fazer crer o pensamento económico neoliberal e mesmo o governo os custos com o trabalho em Portugal, portanto da riqueza criada que reverte para os trabalhadores, que eram já muito inferiores à média comunitária têm-se afastado cada vez mais nos últimos anos como mostra o QUADRO I , construído com dados publicados pelo Eurostat.
Em 1996, os custos horários com o trabalho representavam 42,1% da média dos países que constituíam a União Europeia nessa data, enquanto em 2004 já representavam apenas 39,8%. Afirmar, como o faz, o pensamento económico neoliberal dominante e também o actual governo que a falta de competitividade da economia portuguesa resulta fundamentalmente dos elevados custos com o Trabalho, e que a competitividade das empresas deve ser alcançada através da diminuição ainda mais destes custos não tem qualquer fundamento técnico. A prová-lo está o facto de que países com custos muito mais elevados (mais do dobro de Portugal) são competitivos.
Como mostram os dados do quadro seguinte , foi precisamente em Portugal que os ganhos dos trabalhadores da indústria registaram menor aumento a partir de 2000, pois o crescimento entre 2000 e 2005 foi apenas de 1,7%, enquanto no mesmo período em todos os países da OCDE verificou-se um aumento médio de 17%, e nos países da OCDE da Europa o crescimento atingiu 18,9%.
Em 2006, a situação continuou-se a agravar para os trabalhadores portugueses pois comparando Junho de 2006 com Junho de 2005, verifica-se uma diminuição de -1,8%, enquanto nos países da OCDE regista-se um crescimento de 2,5%, o mesmo sucedendo nos países da Europa da OCDE.
No fim de 2005, a população empregada portuguesa atingia 5.133.500 e os trabalhadores por conta de outrém eram 3.864.900. ou seja, representavam 75,6% de toda a população empregada. No entanto, a parcela de riqueza criada anualmente que recebiam, sob a forma de remunerações, era inferior a 36% em 2005 como mostram os dados divulgados pelo Banco de Portugal constantes do QUADRO II .
Em 2005, as remunerações sem as contribuições sociais (dos trabalhadores e patronais) representavam apenas 35,9% da riqueza criada nesse ano, ou seja, do PIB quando em 2005 correspondiam a cerca de 59%. Apesar da reduzida parcela que representavam as remunerações do PIB, o investimento total em Portugal sofreu uma importante redução a partir de 2001 como mostram os dados divulgados pelo INE constantes do QUADRO III .
Apesar da elevada desigualdade que se verifica na repartição do rendimento e da riqueza em Portugal, registou-se a partir de 2001 uma forte quebra no investimento total (-15,5% a preços constantes de 2000), incluindo o ano de 2006 (-16,8%), como mostram os dados das Contas Nacionais divulgadas pelo INE . A experiência empírica portuguesa mostra também a falsidade dos argumentos utilizados quer pelo governo quer pelo pensamento económico neoliberal dominante para defender a manutenção, e mesmo o agravamento das elevadas desigualdades que se verificam em Portugal na repartição da riqueza e do rendimento. Mesmo a sua manutenção constitui um importante obstáculo à recuperação económica do País e a que se atinja elevadas taxas de crescimento económico.
[ ver QUADROS anexos >> ]



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